Fonte: Notícias MDS ( Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome)

O desafio da avaliação de tecnologia social em (e para) políticas públicas

Por Diana Cruz Rodrigues

      Incorporar tecnologia social em políticas públicas tem sido uma estratégia eficaz para atender necessidades de grupos sociais que não têm acesso a direitos básicos em nosso país. Dois exemplos podem ser citados para ilustrar esse atendimento:

Exemplo 1: O programa público mais conhecido no país que incorpora tecnologia social é a garantia de suprimento de água por meio do Programa Cisternas (Programa Nacional de Apoio à Captação de Água de Chuva e outras Tecnologias Sociais) do MDS:
“O Programa Cisternas tem por objetivo promover o acesso à água para o consumo humano e para a produção de alimentos por meio da implementação de tecnologias sociais simples, de baixo custo e fácil apropriação pelos seus beneficiários.” (MDS, 2024) (1).

Exemplo 2: O Programa “Minha Casa, Minha Vida Rural” prevê a concessão de subvenção econômica para agricultores familiares para construção de cisternas para captação e armazenamento de água, bem como de soluções para tratamento de efluentes e esgotamento sanitário, os quais podem ser baseados em tecnologia social, como a Fossa Séptica Biodigestora ou a Fossa Séptica Biodigestora Adaptada para Várzeas Estuarinas desenvolvidas pela EMBRAPA (2).

      A incorporação de soluções de tecnologia social em políticas públicas é relevante para fomentar (desenvolver e financiar) soluções tecnológicas para grupos em condição de exclusão social. Para estes grupos, as soluções tecnológicas convencionalmente incluídas nas políticas públicas não são eficazes, pois não foram desenvolvidas para o seu contexto de vida, e, assim, perpetuam condições de desigualdades na sociedade. Exemplo são os sistemas centralizados de tratamento e fornecimento de água, ou de esgotamento sanitário, os quais tendem a tornarem-se inviáveis para áreas rurais ou regiões com menor densidade demográfica, características frequentes em municípios da Amazônia Legal.
      A diferença da tecnologia social para as soluções convencionalmente existentes no mercado e, por vezes, incorporadas em políticas públicas, está em seu modelo de desenvolvimento. Soluções de tecnologia social são desenvolvidas por meio da interação direta com os grupos sociais em desvantagem na sociedade, de modo a compreender seu contexto, recursos e valores. Desta forma, a solução é desenvolvida para ter efetividade no contexto específico a ser aplicado e para ser apropriada pelos beneficiários, os quais, na realidade, tornam-se seus coprodutores. Com base nesta concepção de desenvolvimento tecnológico para inclusão social, compreende-se um dos conceitos mais conhecidos de tecnologia social: “produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social” (FBB, 2024) (3).
      Assim, incorporar soluções baseadas em tecnologia social em políticas públicas tende a proporcionar maior escala de aplicação a estas soluções tecnológicas, por meio do financiamento público, ajudando a enfrentar processos de exclusão amplamente disseminados em nosso pais. Além disso, incorporando soluções tecnológicas adequadas aos seus públicos-alvo, torna as políticas mais efetivas para resolver os problemas de exclusão social. Deste modo, a política pública amplia a escala de alcance de soluções de tecnologia social, ao mesmo tempo que esta potencializa a efetividade da política pública.
      Contudo, há diversos desafios no processo de incorporação de tecnologia social na formulação, implementação e avaliação de políticas públicas, em geral, relacionados à necessidade de mudança de práticas convencionalmente estabelecidas nas políticas. Uma política baseada em tecnologia social precisa ter práticas de formulação, implementação e avaliação compatíveis com os princípios e práticas do modelo de desenvolvimento tecnológica da tecnologia social. Isso implica na necessidade de ampla participação dos públicos-alvo (grupos de beneficiários) em todos os processos da política, para que se tornem coprodutores desta. Exemplos são:

Exemplo 1: a recomendação no Programa Cisternas que o processo de implementação deve contemplar atividades de mobilização social e seleção, capacitações e organização do processo construtivo das cisternas, geralmente, realizado por meio de mutirão comunitário.

Exemplo 2: A previsão no Programa Minha Casa, Minha Vida Rural que a construção ou melhoria habitacional podem ser realizadas por regimes construtivos de autoconstrução, mutirão ou autogestão assistidas.

      Essas características valorizam nas políticas públicas práticas associadas à mobilização social (em vez de aquisição de empresas) e aos processos descentralizados baseados em redes locais de implementação (em vez de fornecimento centralizado). Tais aspectos proporcionam o senso de pertencimento e de apropriação das comunidades locais às soluções implementadas, além de permitir adequações aos contextos de aplicação. Porém, estas práticas podem requerer mudança nos hábitos dos burocratas e demais atores da política, demandando processos de aprendizado e adaptação.
      Especificamente um dos processos que estamos estudando corresponde às práticas de avaliação dessas políticas. A avaliação de política tem sido um processo reconhecido pela liderança de especialistas e experts, com forte influência de grandes sistemas de monitoramento a avaliação informatizados (Dahler-Larsen, 2011) (4). Embora os suportes de tecnologia da informação e comunicação sejam relevantes para aumentar a capacidade de armazenamento e processamento informacional e a presença de especialista seja essencial para orientações técnicas e metodológicas, podemos nos perguntar:
      Como incluir as comunidades locais e grupos sociais em situação de exclusão nestes processos avaliativos?
      Como realizar um processo de avaliação de um Programa Nacional que considere um fluxo bottom-up de avaliações (avaliações de baixo para cima) a partir das diferentes aplicações comunitárias?

      Tais questões são desafios postos aos atores de políticas que já incorporaram soluções baseadas em tecnologia social. Por outro lado, também há desafios aos atores que desenvolvem e implantam soluções de tecnologia social em comunidades por iniciativa de organizações da sociedade civil para que estas ganhem escala por meio do financiamento público, como é o caso de sua incorporação em um programa público:
      Como gerar evidências que a solução baseada em tecnologia social é eficaz e eficiente para resolução do problema?
      Que tipo de evidências deve ser geradas, considerando a necessidade de avaliação tecnológica e social sobre o enfrentamento do problema?
      Como fazer tais evidências alcançarem e estarem disponíveis as atores da política?
      Por essas e outras questões, nós do OPTEI consideramos fundamental o estudo de práticas avaliativas sobre tecnologia social no contexto de políticas públicas e estamos realizando pesquisa sobre as práticas avaliativas realizadas em experiências de tecnologia social na região amazônica.

Fontes por ordem de citação:

(1) Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome sobre o Programa Cisternas: https://wiki-sagi.cidadania.gov.br/home/DS/PC

(2) Ministério das Cidades sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV-Rural): Portaria MCID nº 741, de 20 de Junho de 2023 (https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-mcid-n-741-de-20-de-junho-de-2023-491676845)

(3) Plataforma “Transforma!” da Fundação Banco do Brasil: https://transforma.fbb.org.br/

(4) DAHLER-LARSEN, Peter. The evaluation society. Stanford University Press, 2011. 


Crédito da imagem: Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome - Programa Cisternas

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